Sociedade Bíblica de Portugal

A Bíblia Manuscrita, 20 anos…

Há 20 anos a Sociedade Bíblica de Portugal convocou todos os portugueses para produzirem uma Bíblia Manuscrita (2004-2024), na língua de Camões e de Pessoa. Mais de 75 mil “copistas” de todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, representativos de todos os estratos da população, independentemente da sua idade, sexo, formação académica, status social, ou confissão religiosa, responderam ao apelo e copiaram 3 exemplares das Sagradas Escrituras judaico-cristãs, com vários volumes cada. Na passagem destas duas décadas recordamos aqui, algumas memórias dessa obra, inédita e memorável, desenhada por milhares de caligrafias.

Scriptorium recriado por professores e alunos da Escola Gabriel Pereira, em Évora

Porquê uma «Bíblia Manuscrita»?

  • Porque a Bíblia é uma obra de importância universal, profundamente ligada à formação da nossa identidade nacional, reflete-se em inúmeros aspetos do nosso quotidiano e, apesar disso, o seu conteúdo é relativamente pouco conhecido
  • Porque o conhecimento da Bíblia tem o potencial de valorizar a memória coletiva, de elevar a pessoa na sua dignidade e valor, de promover a justiça e a solidariedade, e de enriquecer a espiritualidade individual e coletiva
  • Porque escrevendo à mão estes textos sem paralelo na história da humanidade podem abrir-se novas possibilidades de intimidade com as suas mensagens em particular, e com a descoberta e o conhecimento em geral.

Acima de tudo, tratava-se de promover a Bíblia na agenda cultural, fosse avivando a vontade dos portugueses de serem copistas por uns instantes, fosse, no processo, suscitando nos órgãos de comunicação social, e instituições produtoras e promotoras de cultura um maior interesse pela mesma. Para o efeito, sonhávamos em envolver milhares de pessoas em torno de uma ação que, tanto pedagógica como ludicamente, devolvesse à escrita manual a sua pertinência e isto, num contexto de criação de uma maior cumplicidade com as Escrituras.

Oportunidade e relevância 

Numa sociedade extremamente marcada pela tecnologia, desafiar os portugueses a regressar à produção manual e criar uma Bíblia Manuscrita, apresentava-se como uma ação cultural inédita que, a par do envolvimento de algumas das maiores figuras da nação, gerou um grande interesse e envolvimento de vários sectores da nossa sociedade civil, tais como: escolas e universidades, autarquias e entidades públicas nacionais, editoras e bibliotecas, órgãos de comunicação social, entre outros agentes da cultura e educação. Se a participação na produção de uma cópia manuscrita poderia avivar per si a memória do passado, tratando-se da Bíblia, uma obra de referência universal e da nossa civilização em particular, acrescentava ainda maior significado pela sua influência na cultura portuguesa. Mais do que a originalidade na reprodução dos conteúdos, pretendia-se devolver a cumplicidade (perdida) com texto copiado e com ela, a possibilidade de revisitá-lo como matriz da nossa identidade nacional e fonte de inspiração espiritual.

No dia 5 de novembro de 2004, a sessão solene de abertura da Bíblia Manuscrita transformou o salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa num ilustre scriptorium. Meses antes, o Dr. Pedro Roseta, Ministro da Cultura, declarou o Superior Interesse Cultural do projeto e, o Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República à data, aceitou presidir à lista de figuras públicas que, atestando a importância do mesmo, se comprometeram a participar na iniciativa. O primeiro copista foi o Presidente da República que aceitou escrever o texto bíblico de Eclesiastes (3,1-8) que diz:

Neste mundo, tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio. Há o tempo de nascer e o tempo de morrer; o tempo de plantar e o tempo de arrancar; o tempo de matar e o tempo de curar; o tempo de destruir e o tempo de construir; o tempo de chorar e o tempo de rir; o tempo de estar de luto e o tempo de dançar; o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar; o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar; o tempo de procurar e o tempo de perder; o tempo de guardar e o tempo de deitar fora; o tempo de rasgar e o tempo de coser; o tempo de calar e o tempo de falar; o tempo de amar e o tempo de odiar; o tempo de guerra e o tempo de paz.

Na transcrição de outros versículos bíblicos, seguiram-no os membros da Mesa de Honra: Dr. Mota Amaral (Presidente da Assembleia da República); o Juiz Conselheiro Dr. Artur de Faria Maurício (Presidente do Tribunal Constitucional); Dr. José Amaral Lopes (Secretário de Estado dos Bens Culturais), Dr. Carmona Rodrigues (Presidente da Câmara Municipal de Lisboa); Dom José Policarpo (Cardeal-Patriarca de Lisboa) e o Monsenhor Alcio Rapisarda (Núncio Apostólico). Nas restantes 5 grandes mesas preparadas para o efeito, participaram ainda cerca de 50 personalidades, membros da Comissão de Honra, e diversos dignatários eclesiásticos de diferentes confissões, bem como personalidades públicas representativas de sectores como a cultura, desporto, economia, academia etc.

Sessão solene de abertura no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa

Considerando a incontornável relação entre as Escrituras e a música, terminada a transcrição os copistas juntaram-se ao público para assistir a um concerto de música que visava assinalar a presença e influência dos textos nos mais célebres compositores e obras ao longo dos tempos. Esta Gala musical, apresentada por Margarida Mercês de Mello, tinha como elemento unificador ligar cada peça às Escrituras (com interpretações musicais de Sara Tavares, Jorge Palma, Joao Gil, Camané, Nuno Guerreiro, Rão Kyão), alternadas com leituras dramatizadas do próprio texto bíblico. Uma abordagem criativa que foi interpretada por rostos bem conhecidos dos portugueses, como Eunice Muñoz, Júlio Isidro e Clara Pinto Correia. Um momento cultural e histórico único! De relevar ainda, que os ganhos deste evento reverteram a favor da ONG - OIKOS Cooperação e Desenvolvimento.

A primeira fase desta maratona, encerrou com uma cerimónia solene que teve lugar na Alfândega do Porto. Nela participaram o senhor Primeiro-Ministro, Dr. Pedro Santana Lopes, o Ministro da Justiça, Dr. Pedro Aguiar Branco, o Dr. Rui Rio (Presidente da Camara municipal do Porto), acompanhados ainda por alguns deputados da Assembleia da República, autarcas e várias personalidades da cultura.

Sociedade Bíblica de Portugalv.4.25.3
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